quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

PRESÉPIO DO PIPIRIPAU

Bon Diorno,

Em Belo Horizonte existe um presépio feito por um senhor que trabalhava na carpintaria da Imprensa Oficial do Estado. Na época meu pai e minha mãe também trabalhavam lá em setores diferentes, meu pai na gráfica e minha mãe na revisão. Esse senhor era amigo deles, quando eu nasci ele fez o meu berço. Confeccionou também outras pequenas coisas que temos aqui em casa até hoje. Quando pequena minha mãe me levou na carpintaria para conhecer o senhor Raimundo, e eu ficava encantada com tudo que existia lá.
No horário de descanso ele fazia pequenos brinquedos para mim com sobras de madeira e eu nem sabia que estava diante de um verdadeiro artista.
Tenho uma grande dívida para com ele, eu ainda não conheço o seu famoso presépio, não por que eu não queira, mas nas poucas vezes que fui, foi na época do Natal e estava sempre muito cheio e voltávamos para trás. Graças a Deus eu ainda estou aqui e o presépio dele também, e pretendo logo que possível conhecê-lo pessoalmente.
Hoje estou homenageando este senhor que me apresentou a magia da transformação.
O primeiro movimento do presépio aconteceu em 1906, quando o pequeno Raimundo Machado, na época com 12 anos de idade, colocou o pequetitinho Menino Jesus em uma caixinha de sapatos forrada de musgos e cabelos de milho. Pode ser visto como um gesto simples, mas nunca pequeno. Do nascimento do Menino Jesus nasceu um presépio inteiro. Um presépio de luz, magia e movimento. O Presépio do Pipiripau. “Mamãe, a gente podia fazer um presepiozinho também em casa.”

Influenciado pelas freqüentes visitas que fazia com sua mãe a igrejas e casas vizinhas na época natalina, o pequeno Raimundo decidiu vender garrafas de óleo de ricínio para poder construir seu próprio presépio. Com os primeiro 400 réis que ganhou, comprou uma imagem do menino Jesus e o rodeou com bichinhos que ele mesmo fez de argila. Após o Natal o pequeno presépio foi guardado para, no próximo ano, ganhar uma gruta e casinhas de papelão. No ano seguinte foi a vez da lagoa se juntar ao cenário. E, assim, ao longo dos anos, o presépio foi ganhando vida e movimento ao sabor da mente criativa do artista.
Gradativamente, novos personagens, confeccionados em sua maioria com massa de papel, papelão e gesso se juntavam ao presépio para narrar a vida de Jesus, do nascimento à ressurreição. No interior dos bonecos, uma estrutura de metal soldado garantia o movimento que encantava os visitantes.
Ao lado das cenas bíblicas, o trabalho e o lazer eram representados em diversas cenas móveis. Carpinteiros, pescadores, lavadeiras e lenheiros dividem a cena com os músicos da banda, o sanfoneiro e com as crianças e suas brincadeiras. Passagens bíblicas contextualizadas em uma cidade com suas artes e ofícios deixam transparecer a maneira singular de percepção do mundo dentro de Raimundo.
O movimento do presépio começou no próprio corpo do artesão. Na cadencia de seus pés e suas mãos funcionava o sistema de repuxo d’água inventado por ele para movimentar a lagoa. Algum tempo depois, as mãos de Raimundo puderam descansar um pouco ao passar o impulso do movimento para um velho gramofone de corda: agora a procissão entrava na igreja ao bater dos sinos, enquanto o lenhador cortava a árvore e o pescador e outras figuras se movimentavam.
O pequeno lampião de querosene foi substituído por um gasômetro que fez o presépio “dobrar de bonito” com tanto brilho! Aos poucos, Raimundo bolava novos equipamentos que traziam mais beleza a sua obra. A máquina a vapor, em 1920, trouxe energia, a eletricidade, em 1927, trouxe a luz. Hoje, é um motor elétrico ligado a fios, barbantes e cordas que movimenta a arte do Pipiripau.
Paciência, cuidado, criatividade. As 586 figuras móveis distribuídas em 45 cenas, que ao longo de oitenta anos ocuparam o coração de Raimundo, ocupam hoje 20 m2 no Museu. Um universo mágico nascido de uma mente encantada pela fé, construído por mãos curiosas pela arte e imortalizado pela eterna dedicação de seu criador.
A vida e a obra de Raimundo Machado correm juntas. Separar uma da outra seria correr o risco de mutilá-las. Nascido a cinco de novembro de 1894, em Matozinhos, MG, Raimundo Machado era o único filho homem em uma casa de quatro irmãs.
A família mudou-se para Belo Horizonte quando ele tinha apenas dois anos de idade e logo se instalou na Colônia Américo Werneck. A região, que hoje compreende os bairros do Horto, Sagrada Família, Floresta e Santa Tereza, era conhecida, no início do século, pelo nome de Pipiripau.
Instalado numa comunidade de intensa fé religiosa, o menino Raimundo começou, em 1906, a montar o seu próprio presépio, iniciado com um Menino Jesus que ele mesmo comprou por 400 réis. A partir daí, o que começou como uma obra de criança se transformaria, ao longo dos anos, em uma significativa obra de arte popular do século XX.
Oriundo de uma família simples, Raimundo concluiu apenas o Curso Primário. Os ofícios exercidos ao longo da vida, trouxeram experiências e conhecimentos que, de diferentes maneiras, o ajudaram a construir o presépio. Raimundo exerceu, durante sua juventude, a função de balconista em uma armazém no qual chegava a trabalhar 13 horas por dia.
Mais tarde, trabalhou na Central do Brasil como auxiliar de mecânico o que o motivou a obter o movimento das figuras. O tempo de serviço prestado, posteriormente, à Empresa Gravatá lhe trouxe um importante conhecimento a cerca de novos materiais, moldagem de gesso, carpintaria e fundição de ferro. Um tempo depois, passou a trabalhar na Imprensa Oficial de Minas Gerais onde, naturalmente, ganhou expressão de comunicação e trabalhou até se aposentar em 1960.
Se os personagens do presépio eram de grande importância para o artesão, o mesmo se pode dizer a respeito dos personagens de sua vida. Era sua esposa, dona Ermenegilda, mãe de seus nove filhos, quem socava em um pilão papel pardo, jornal e papel higiênico para misturar com cola e fazer uma pasta consistente para moldagem dos bonecos.
O amigo que só a morte separou, senhor Junqueira, foi quem tirou a primeira foto do presépio dando início à fama do Pipiripau. A mãe era o pilar da tradição e da religiosidade da família. Era ela quem, junto com Raimundo, conservava as peças. Nas noites de Natal puxava a reza e servia café, broas, biscoitos e toda a sorte de quitutes para quem passava a noite visitando o presépio e festejando o nascimento do Menino Jesus.
Em outubro de 1976, o Presépio do Pipiripau e seu idealizador vieram para o Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. Em 1984, um ano após passar a fazer parte do acervo definitivo do Museu, o Pipiripau foi, finalmente, registrado no livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Na época em que o Presépio do Pipiripau enchia de alegria o Natal na residência de Raimundo Machado, os visitantes esperavam impacientemente, para assistir aos movimentos do Presépio. A mente de Raimundo, assim como suas criações, não parava de funcionar e, na década de 1960, mais uma idéia sua iluminou a casa toda. Para entreter os visitantes entre um e outro espetáculo do Pipiripau, o artista deu vida ao Pipiripin, um presépiozinho menor, também feito de materiais simples e movido por um motor elétrico, que garantia os movimentos das figuras confeccionadas com papel e gesso.
Em 1986, o Pipiripin, que mede 1,70 m X 1,90 m, passou a integrar, oficialmente, o acervo do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG.






Fotos do acervo da UFMG


O Presépio do Pipiripau

Os músicos tocam baixinho
Uma suave música fininha
Que sobe prás estrelinhas
Do céu pintado de azul.

Gira e regira na praça
A eterna zanga-burrinha
– Tão engraçadinha

Olha a calma do pescador
Pescando sempre o mesmo peixe
Com o mesmo anzol.

Olha o barqueiro que não é Pedro...

Os meninos perfilados germânicos
Entram na igreja
E saem depressa
E tornam a entrar.

(E tornam a sair)

A atmosfera febril de trabalho
Ferreiros sapateiros mexendo

A calma das casas subindo a ladeira
Descendo a ladeira e os bichos
Cândidos bichos de papelão
Rodeando o menino Jesus que abençoa aquilo tudo!

Meus olhos mineiros namoram o presepe
e dizem alegres: Mas que bonito!


Carlos Drummond de Andrade
(sob o pseudônimo de Antônio Chrispim)
Diário de Minas, 30 de janeiro de 1927.






Beijos,

2 comentários:

  1. Oi Meire,
    Que gracinha de presépio. Adoraria ver. O Sr. Raimundo caprichou!
    Beijos 1000 e uma 5ª-feira maravilhosa para vc.

    www.gosto-disto.com

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  2. Meire, ainda não conheço esta atração turística de BH e foi muito interessante saber de sua origem pois aumenta ainda mais a curiosidade para conhecer esta cbra de um agora grande artista popular para nós.
    Valeu.

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